8 de janeiro de 2013

Começou o "Jornaleco na Trilha da Sanga"

A nova proposta do TSA começou suas atividades hoje no bairro Santa Terezinha: o Jornaleco na Trilha da Sanga. A partir do trabalho de reforço escolar já desenvolvido na comunidade do bairro, o TSA, juntamente com a jornalista e educadora ambiental Krischna Duarte, desenvolverão durante os próximos três meses o projeto Jornaleco com um grupo de 24 crianças. O produto final será um conjunto de vídeos que tratarão do tema "meio ambiente", mas, além disso, será a realização de um trabalho intenso de educação ambiental voltado às necessidades da Sanga do bairro Três Vendas. Antes do início das atividades o TSA conversou com a idealizadora do Jornaleco, Krischna Duarte, para saber mais sobre essa proposta.

TSA- De onde surgiu teu interesse em educação ambiental?
KRISCHNA - Sempre tive essa relação muito próxima com a natureza, sempre gostei muito de estar no meio do mato, de ter uma vida mais saudável... no sentido de me alimentar de uma forma natural, de gostar muito de bichos, de gostar muito de pessoas. Isso foi algo que sempre me acompanhou, desde muito nova. Depois, quando entrei na faculdade de Jornalismo, um dos primeiros contatos que tive com a prática profissional foi na Embrapa. Lá eu comecei a trabalhar com Jornalismo Rural e existe uma proximidade muito grande entre o Jornalismo Ambiental e o Jornalismo Rural, eles se mesclam porque não existem muitas teorias, nem muitas práticas a respeito do jornalismo ambiental, pois esta é uma área do conhecimento relativamente nova. Como estes dois segmentos tratam do ambiente, acabam se mesclando. Então comecei a despertar o interesse por trazer esse gosto que eu tinha da vida pessoal, para o profissional. Pensando nisso tive a vontade de trabalhar com Jornalismo Ambiental, depois de trabalhar por quase quatro anos no Jornalismo Rural me apaixonando por tudo isso. A dinâmica do Jornalismo Ambiental e Rural é outra comparada ao Jornalismo comercial, do qual eu vinha. E isso me encantou. Fez com que eu percebesse que podia fazer o jornalismo de outra forma, de uma maneira muito mais autêntica, muito menos engessada. E aí, apaixonada por esta forma de trabalhar, decidi fazer o mestrado em jornalismo ambiental. Todavia eu teria que ir até são Paulo para cursar o mestrado, num momento em que questões familiares me prendiam á pelotas. Então eu resolvi fazer uma cadeira na Educação Ambiental da FURG, para me aproximar mais dessa linha teórica e ver se, de fato, era isso que me interessava e acabei me apaixonando pela educação e percebendo que não existe comunicação sem educação e nem educação que aconteça fora do contexto comunicativo.



À esquerda, a idealizadora do Jornaleco, Krischna Duarte, em conversa com a equipe do TSA.







TSA- Porque resolveste trabalhar com crianças? Essa ideia surgiu no mestrado?
KRISCHNA – A minha ideia para trabalhar com crianças surgiu de várias coisas: primeiro, estudando a teoria do Piaget eu descobri que essas crianças que têm entre 8 e 12 anos de idade estão numa fase do desenvolvimento que é o período operatório concreto, quer dizer, elas conseguem fazer abstrações do real, e realizar operações mentais a partir daquilo que elas compreendem de seu ambiente e, a partir disso, devolver esta ação de forma concreta; o que me chamou mais atenção nisso é uma operação chamada reversibilidade operatória. A partir dos 8 até os 12 anos de idade as crianças conseguem entender que se praticarem uma ação, elas podem realizar essa mesma ação no sentido inverso e isso, até então, não era concebido pela criança. Por exemplo, se eu posso colocar lixo no ambiente, posso retirá-lo também, fazendo a ação inversa.

TSA– Qual foi a tua primeira ideia a respeito do Jornaleco?
KRISCHNA - No início eu pensei em fazer um jornal impresso, muito mais pela facilidade de produção dele comparado ao produto audiovisual. Eu sempre trabalhei com o audiovisual então eu sabia que seria muito mais complicado, que envolveria muito mais etapas. E, a princípio, minha ideia era de que eu fizesse esse jornalzinho num âmbito local. eu queria trazer elementos da cultura e do ambiente do nosso estado para esta publicação e distribuir este material nas escolas; fazendo com que as crianças valorizassem o seu contexto de vida; aliás; este é um dos pilares da educação ambiental: compreensão do global para atuação local e atuação local para a compreensão do global. Eu pensava que o Jornaleco era algo que eu só ia conseguir me dedicar depois que eu já estivesse aposentada. Era algo muito distante, porque me faria muito feliz, porque era um sonho. A gente acaba fazendo esse tipo de coisa, achando que só vamos conseguir concretizar aquilo que é sonho daqui a muito tempo.

TSA– E como isso se desenvolveu até chegar no formato em que o Jornaleco se apresenta hoje? 
KRISCHNA - Foi quando entrei no Mestrado. Eu entrei com outro projeto, com a proposta de fazer análise de discurso nos diários locais, Zero Hora e Diário Popular, a respeito do plantio de eucalipto. Fiquei, acho que durante um semestre, nutrindo esse projeto, mas sabendo que, de fato, não era aquilo. Acabei mudando o projeto duas ou três vezes até que um dia, conversando com o meu orientador, o professor Alfredo Martin, professor de Psicologia da graduação e do programa de pós-graduação em Educação Ambiental na FURG, falei para sobre o Jornaleco e ele disse “Eu acho que está na hora de tirar isso da gaveta”. E então apostei nisso, só que naquele formato do jornalzinho. Aí ele me disse ”Porque, se tu trabalhas com audiovisual há quase 10 anos, vais fazer um trabalho com jornal impresso?”. Ele tinha razão. A partir daí comecei a aproximar a ideia do jornaleco ao formato que ele tem hoje. Um dos aspectos mais importante que mudou no Jornaleco durante este processo é o fato de que percebi a importância de envolver as crianças no processo de produção ao invés de entregar algo pronto a elas. O interessante era fazer as pessoas se apropriarem dessas ferramentas e poderem comunicar aquilo que elas queriam. Aí eu decidi que era esse o formato do Jornaleco.

TSA- Qual é o objetivo do Jornaleco? 
KRISCHNA - Eu tenho uma pegada muito forte contra a manipulação midiática. Sinto como se eu tivesse assumido a posição de, de alguma forma, subverter essa lógica. Eu entendo que muito daquilo que a gente vive, é moldado pelos meios de comunicação de massa. Existem dados do Ibope que mostram que as crianças passam de quatro horas e meia a cinco horas por dia na frente da televisão, mais tempo do que elas passam na escola. Isso é complicado. Como é que os educadores podem competir com essa questão? Ao mesmo tempo em que a televisão e a internet e todos esses recursos tecnológicos estão tão próximos das crianças, como é que os educadores - que às vezes não têm uma televisão em sala de aula, nada de recurso material e não têm uma formação continuada que seja interessante para que eles possam se apropriar disso – vão, de certa forma, competir com esta realidade? Acredito que o interessante não é deixar a televisão do lado de fora da sala de aula e estudar os conteúdos programáticos da disciplina. Se as crianças estão discutindo sobre televisão, vamos trazer esses assuntos, porque isso é parte do cotidiano deles. Vamos ensinar a partir da demanda que eles trazem. Isso é muito interessante. Então, a minha ideia com o Jornaleco era trabalhar essa questão, a influência midiática na subjetividade infantil. Percebi que envolver essas crianças com o projeto era outro caminho a ser seguido. Era um espaço no qual podia se criar todo um sistema lógico dos grupos, em que eles produzissem suas próprias subjetividades e não mais consumissem aquelas subjetividades que vêm através da televisão. Seria um espaço para que eles falassem das suas necessidades, daquilo que eles queriam comunicar. E isso se amplia no espectro em que o programa, depois de todo esse processo de produção, vai ser veiculado na televisão e vai atingir outras crianças, que vão ter alternativas a essa formação de subjetividades de coisas prontas e modeladas ao assistirem esse outro grupo que fala de coisas muito verdadeiras que são o cotidiano. Então a proposta do jornaleco é questionar a forma de se vestir, a alimentação, a forma de lidar com o outro... todas essas coisas que, de certa forma, a gente não tem tempo para perceber. A ideia maior é estimular a criticidade das crianças a respeito disso. A questão essencial era essa: desenvolver a capacidade crítica dessas crianças para que elas pudessem questionar essas verdades absolutas que são passadas através da mídia. Dentro dessa linha de raciocínio, era muito interessante que as crianças se envolvessem e percebessem que elas podem criar o audiovisual da maneira que elas querem e que tudo são escolhas. Aí eles começam a questionar as coisas. E isso é algo que pude comprovar com o grupo que eu já estou trabalhando há mais tempo, desde o final de 2010. Eles estão super críticos, não só em relação a televisão, mas em relação a tudo aquilo que vem pronto pra eles. Eles questionam mais. E isso é super interessante. Tem uma frase do Guattari, que um teórico que eu utilizo bastante em minhas pesquisas, que diz que “Toda forma de resistência é uma forma de revolução”. Então se eu puder de alguma forma, implantar um pequeno espaço, um pequeno grupo de resistência a essas coisas, ali fervilha um espaço para revolução, para a gente subverter essas lógicas todas. E eu sei que o Jornaleco ainda é um projeto muito pequeno, mas ele tem ganhado mais visibilidade e é um projeto que só tem a crescer e é, com certeza, um produto de revolução cultural muito forte que eu espero poder ver crescer e atingir muita gente.

TSA- Como foi o processo de início das práticas da tua primeira experiência com o projeto? Como se deu a receptividade das crianças?
KRISCHNA - Quando eu comecei essas oficinas, as crianças, claro, ficaram super animadas porque elas sabiam que iam fazer um programa de televisão. Mas elas, em parte, não acreditavam que isso podia ser possível. Elas diziam “Mas vai passar na TV? Onde? Eu quero ver!”. Então elas ficavam meio receosas a respeito disso, mas foram muito receptivas. Como toda criança, são bagunceiras, então tinha que chamar atenção e ficar trazendo de volta para o coletivo. A gente desenvolveu um laço afetivo muito forte, e é interessante ver o crescimento deles. Dá para ver que de uma edição pra outra eles vão crescendo e o desenvolvimento deles está ali, junto com o desenvolvimento do Jornaleco, documentado. Então a cada programa é algo diferente porque a subjetividade deles vai mudando, a maturidade deles vai aumentando e o tamanho deles também, então é muito legal.



1º bloco da primeira edição do Jornaleco.



TSA - O que o Jornaleco acrescenta na tua vida profissional?
KRISCHNA - O jornaleco é a concretização de um sonho. É o atestado do meu comprometimento com a criação do novo. Isso é algo que está muito presente no meu estudo. O que eu queria com Jornaleco? Sair dessa cancela, ir além disso e fazer com que outras pessoas também pudessem enxergar além disso. O desvelamento crítico da realidade é algo que deveria ser feito de toda forma, em todo momento e em todos os lugares no sentido de tirar esse véu que dissimula as coisas e poder enxergar a realidade como ela é. É um compromisso que eu assumo, isso é algo muito pontual e eu estou comprometida, de alguma forma, com a subversão desta lógica rumo à criação do novo. E o jornaleco é o primeiro passo para eu assumir esse compromisso de luta social, de desvelamento crítico da realidade... de estimular nas pessoas esse olhar que ainda não foi estimulado. Quero poder daqui um tempo olhar pra trás e ver que o Jornaleco cresceu muito.

TSA - Qual é o futuro do Jornaleco?
KRISCHNA - Os próximos passos são formar facilitadores e realizar essa oficina com os educadores para que cada educador possa realizar na sua escola as oficinas do Jornaleco. É a forma que eu vejo de fazer o projeto se expandir e funcionar da maneira que eu imagino que possa ser, e crescer. A ideia é que eu possa ir largando, porque o projeto não é meu... o projeto é nosso. O Jornaleco é de quem puder se beneficiar por ele. Então, em benefício de todos os seres eu quero que, algum dia, vários educadores possam estar trabalhando com isso. Quero poder ajudar essas pessoas e lidar mais com essa questão direta, de pegar o que cada um produziu nas escolas e colocar no Jornaleco, e fazer trocas, ver o que cada um está fazendo, mas largar mão, não prender... eu não tenho posse sobre o Jornaleco. É algo que eu criei, mas eu criei sempre pensando no outro, então quero que isso seja dessa forma.



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O início das oficinas do Jornaleco na Trilha da Sanga foi hoje, dia 8 de janeiro. Para saber mais sobre o projeto acompanhe as próximas publicações no blog do TSA!


Ilustrações: Lauro Cirne

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